Gravação caseira de Bob Dylan revolucionou o rock antes de ser lançada

Em 1967, com meros 26 anos, Bob Dylan já havia mudado o curso da música pop duas vezes. Primeiro no início da carreira, ao se tornar o primeiro rockstar da música folk, compondo e interpretando canções acústicas de protesto com a atitude de quem crescera ouvindo Elvis Presley e Little Richard.

Depois, em 1965, chocou o cenário musical ao ao e se apresentar no festival de Newport acompanhado por uma barulhenta banda de rock. Numa via de mão dupla, dava profundidade poética à música pop e tirava do folk a solenidade reverente, que tratava o gênero como uma peça de museu, fundindo eternamente os dois gêneros em clássicos como "Like a Rolling Stone".

Até que em 1966, sua carreira, no auge, foi interrompida por um acidente de moto que o tirou temporariamente dos holofotes. Enquanto convalescia, Dylan se recolheu à cidade de Woodstock, no interior do estado de Nova York, onde tramou discretamente uma terceira revolução.

Com seus músicos de apoio, a banda canadense The Hawks, que em breve seria rebatizada como The Band, compôs e gravou dúzias de canções no porão da casa conhecida como "Big Pink". As sessões, informais, que vieram a ser conhecidas como "The Basement Tapes", misturavam brilhantes novas composições de Dylan com jam sessions repletas de standards do rock and roll, blues e country.

OUÇA "THE BASEMENT TAPES COMPLETE" NA RÁDIO UOL

A evolução estilística do compositor, combinada às influências da música de raiz norte-americana e a base de rhythm and blues da banda gerou uma fórmula altamente original. A idéia era vender algumas das composições para artistas de sucesso, mas cópias das fitas começaram a se espalhar como uma epidemia entre a "realeza" pop da época, influenciando sem querer o rumo do rock and roll.

O que aconteceu a seguir foi uma reviravolta estilística que mudou a cara do rock no final da década de 60. Se o som de 1967 era o rock psicodélico dos Beatles e de Jimi Hendrix, futurista, multicolorido e cheio de efeitos sonoros, as "fitas do porão" de Bob Dylan & The Band chegavam como um tufão trazendo consigo o som de 1968, 1969 e além.

OUÇA O MELHOR DE BOB DYLAN NA RÁDIO UOL

A gravação foi crucial no direcionamento do "Álbum Branco" dos Beatles, que rompia com a psicodelia dos trabalhos anteriores, adotando no lugar uma sonoridade mais básica. De maneira semelhante, foi após ouvir as fitas que Eric Clapton decidiu acabar com sua banda de blues rock pauleira, o Cream e tomar outro rumo musical, mais leve e simples.

Na mesma época, os Rolling Stones voltaram a explorar as raizes da América no que muitos consideram a fase mais importante da carreira da banda. Neil Young saía do Buffalo Springfield para explorar caminhos semelhantes. Os Byrds abandonavam o folk rock psicodélico para criar o country rock.

E assim a coisa foi. Por baixo do pano, Bob Dylan & The Band fizeram com que toda uma geração trocasse as batas indianas e a psicodelia pela autenticidade rústica presente nas "Basement Tapes". Apesar de logo começar a circular em edições piratas, fragmentos das gravações só foram lançados em 1975, num polêmico álbum, altamente criticado tanto pela escolha das canções como pela remixagem que mutilava a cara original do trabalho.

Agora, em 2014 as fitas são lançadas na íntegra pela primeira vez, numa coleção épica de 139 canções, reproduzidas como vieram ao mundo. É o que você ouve em "The Bootleg Series Vol.11, The Basement Tapes Complete", que inclui desde as primeiras versões de standards de Dylan como "I Shall Be Released" e "This Wheel's On Fire" a versões de clássicos como "Blowin' in The Wind" e "One Too Many Mornings" e covers de Elvis Presley, Johnny Cash e Everly Brothers.

E para quem não tem paciência para ouvir os seis discos na íntegra, está sendo lançada também uma versão mais enxuta, "The Basement Tapes Raw", concentrando os melhores momentos e as gravações inéditas em dois álbuns.

Antes tarde do que nunca!

OUÇA "THE BASEMENT TAPES RAW" NA RÁDIO UOL

Pedro Carvalho
Rádio UOL