Topo

Histórico

Categorias

Wilson Dias enche os olhos d'água quando canta as belezas do sertão de MG

UOL Música

11/09/2014 17h20

Crédito: Marcelino Lima

Wilson Dias é mineiro de Olhos d'Água e já gravou seis discos, entre os quais "Lume", com participações de Dea Trancoso e Ná Ozetti. Crédito: Marcelino Lima

Marcelino Lima
Colaboração para o UOL

O violeiro e compositor Wilson Dias, aniversariante de setembro, reforça uma característica que historicamente se verifica em Minas Gerais: o de ser um estado fértil e terra inesgotável da qual já brotaram nomes consagrados em vários setores da arte e da cultura.

Natural de Olhos d'Água, cidade que por si só já evoca poesia, Wilson Dias comprova uma bendita condição das Alterosas de revelar à nação gente que pode ser muito boa quando faz música, literatura, pintura, escultura e jogando bola; trem bão pelo qual o mundo inteiro acaba agradecido, uai, e pelo qual viajam o país Drummonds e Cacasos como expressa a joia "Ó, Minas Gerais", de Sérvulo Augusto e Edvaldo Santana, canção que Augusto gravou em "Coletivo" com a participação de Jane Duboc; "minas de ouro, minas de rimas, de tantos tesouros", Tostões e Tavinhos que parecem florescer em cada clube ou esquina; Rosas e Brants que são patrimônios culturais como o pão de queijo, a broa de milho ou as estátuas de Aleijadinho; santuários de pretos em ruas de pé de moleque, montanhas douradas de verde ou veredas que conduzem a sertões e jequitinhonhas; berços de folias ancestrais, batuques e congadas e das várias manifestações e ritmos que a obra de Wilson Dias acolhe e preserva.

Wilson Dias já gravou seis álbuns é dotado de rara técnica na lida com o instrumento. As composições que no início flertaram com a MPB, incluindo gravações de sambas, hoje transitam entre o caipira e o moderno e são tocadas e cantadas com sensibilidade e total entrega, um misto de devoção e de gratidão. As músicas, principalmente as instrumentais, em vários momentos, soam como peças de composição clássica de rara beleza.

Este talento pode ser conferido pelos dois vídeos que acompanham este texto. Em ambos há informações e depoimentos sobre a carreira, as dificuldades do começo da vida pessoal de Wilson Dias em uma cidade do Vale do Jequitinhonha onde faltava, na infância, água e luz elétrica, era preciso caminhar 16 quilômetros para ir à escola, por exemplo.

As narrações apresentam, ainda, o envolvimento de Wilson Dias, desde pequeno, com a preservação da natureza e a divulgação da cultura do norte mineiro motivado pelo ambiente familiar no qual a música e elementos da religiosidade, os costumes e o comportamento típicos de um sertanejo que luta com tenacidade pela sobrevivência e sua afirmação no mundo sempre regavam as descobertas e apontavam os caminhos que o menino, mais tarde, viria a seguir.  

O primeiro vídeo, produzido pelo SESC para o programa "Passagem de Som", mostra Wilson Dias em três ocasiões — nas quais em duas está em companhia do amigo e também violeiro Levi Ramiro. Wilson e Levi aparecem relembrando histórias pessoais e pitorescas no apartamento localizado em São Paulo do cardiologista e igualmente violeiro Júlio Santin. Os três revelam curiosidades como a alegria de ver chegar à casa da avó o primeiro lampião a gás ("que iluminava mais do que a lamparina"), os primórdios da música caipira em São Paulo (cuja origem se localiza no triângulo formado por Botucatu, Piracicaba e Sorocaba, cidades nas quais se encontram os primeiros registros fonográficos deste gênero em todo o Estado) e a inspiração para seguir a mesma trilha do pai, esteio e ídolo para o qual Wilson Dias afinava a viola utilizada em cantorias durante as quais também tinha a oportunidade de ver a mãe cantar, acompanhando o marido festeiro.

Apresentação no Teatro Anchieta do SESC Consolação, em agosto de 2013. Crédito: Marcelino Lima

Apresentação no Teatro Anchieta do SESC Consolação, em agosto de 2013. Crédito: Marcelino Lima

Um outro trecho, ainda do primeiro vídeo, traz imagens do bate-papo e do ensaio de Wilson Dias e dos músicos que o acompanhavam, cujas imagens foram captadas horas antes da apresentação deles no projeto "Instrumental SESC Brasil", coordenado por Patrícia Palumbo, no palco do Teatro Anchieta, do SESC Consolação (SP). A gravação na integra daquela edição do SESC Instrumental realizada em 12 de agosto de 2013 é o que se poderá curtir assistindo ao segundo vídeo, durante cuja exibição valerá a pena prestar bastante atenção à narração de Patrícia.

"Neste show relembro cada momento que eu vivi na roça, cada música é uma fotografia da minha vida", informou Wilson Dias ao público presente.

Este blogueiro estava na plateia naquela fria noite em que após sofrer as agruras de andar de trem e de metrô em pleno horário de rush noturno, e entrar no Teatro atrasado, com a apresentação já rolando, teve a grata oportunidade de conhecer pessoalmente Wilson Dias, Augusto Cordeiro (violão), Gladson Braga (percussão), André Siqueira (flauta e violão), e Pedro Gomes (baixo). Depois viramos amigos, o que é uma satisfação, pois além de talentoso com a viola caipira nas mãos, Wilson Dias é descontraído e, como todo mineiro, tem aquele jeito brejeiro, desencanado, doce e simpático, além de ser exímio contador de causos, para não fugir à regra.

Algumas das músicas do disco "Mucuta"* tocadas no Teatro Anchieta são verdadeiros concertos, revelam todo o apuro e excelência de Wilson Dias e do seu time que tem a esposa Nilce Gomes sempre atenta e dedicada nos bastidores e no qual a participação do professor da Universidade de Londrina (PR), arranjador e multi-instrumentista André Siqueira, também merece destaque. Siqueira é produtor de vários discos do mineiro, entre os quais "Lume",lançado em novembro do ano passado, com participações de Déa Trancoso, Ná Ozetti e do poeta e jornalista João Evangelista Rodrigues, compositor que assina várias belezuras do Wilson Dias e de outros bambas como Pereira da Viola.

 *Mucuta é o nome pelo qual se chama em bandas generosas das Minas o embornal, a marmita dos paulistas.

Marcelino Lima é jornalista e escreve no blog Barulho de Água Música sobre música caipira, de raiz, tradicional, regional e outros gêneros.

Sobre o Blog

Este é o blog oficial do UOL Música Deezer. Com ele, nós da equipe e nossos colaboradores podemos nos comunicar com os ouvintes, sugerindo, informando, divulgando e discutindo tudo que diz respeito ao universo musical. E é claro, ouvindo o que vocês têm a dizer. Ouça, leia e comente!

Blog UOL Música