Uma viagem interestelar pelo primeiro álbum da cantora Tika

Crédito: José de Holanda

Por Daniel Perroni Ratto*

Naquelas cenas idílicas, imagéticos movimentos, a vida cotidiana se apresenta. E pensar nas ondas musicais independentes. Gosto das trilhas sonoras do destino. É bom saber que estamos muito bem de pulsares. Estrelas que, apesar de pequenas, são extremamente densas. Seu campo gravitacional é tão forte que atrai tudo ao redor. Ao contrário do que dizem as leis da física, esta aqui ainda vai explodir em Supernova! Ela veio de Rio Claro e emite sua luz em São Paulo, desde 2012. Seu nome é Tika!

Pois nesse multiverso repleto de superaglomerados de galáxias, flutuo sobre a poética do pensamento, deixo-me envolver nas ambiências criadas neste enxuto e saboroso álbum homônimo. Não esqueço dos dias de Quizumba, nem das experiências sensoriais de um Mundo Odara. Das alegrias de encontros prazerosos, com velhos e novos amigos. Entre uma festa e outra, nos botecos de sampa, um amigo me falava sempre que estava produzindo um som, um disco, de uma cantora do interior de São Paulo. Entre sambas, jazz, bossa nova e rock, entre uma cerveja e outra, lá se foi uma madrugada musical com Fernando TRZ.

A boemia produz inter-relações interessantes. A carne é viva, o copo sempre cheio. A verborragia. Pipo Pegoraro que co-produziu e tocou no disco da Tika, disse-me no Rio Verde, que é preciso amar e viver. Estávamos em plena festa. Em um dos camarins do tempo, ela me perguntou: "Ele Quem"? Disse que balançou seu coração, lhe amou e sumiu. Deixou passagens bucólicas na memória e lhe restou um poema a criar. Disse-lhe que a vida é mesmo assim, uma hora vai dar certo. A solidão e a tristeza são pessoas necessárias no arvorecer, no sol a nascer. Feche os olhos e cante mais um pouco esse sofrer e deixe que essa sua voz grave e afinada invada os corações dessa gente toda que está aí pra te ver.

Crédito: José de Holanda

No "Turbilhão" das emoções, deixe sua voz sambar. Não perca tempo a lamentar. Ou largue as paixões banais. A melancolia canta em lugares vastos. Às vezes tenho a impressão de que estou de volta àquela mesa de bar, no Real Chopp, em Copacabana e o garçom descendo mais um. As vozes animadas de pessoas estranhas. A transformação se dá quando menos se espera. E o sax psicodélico se despede dessa roda pra lhe deixar falar. Sei que esse riff deixa saudade e a culpa é do Thiago França. A noite continua movimentada ao som do cavaco sagaz de Rodrigo Campos. Conversas giram em translação. O baile do balcão.

Eis que chega lá de Pernambuco, um "Doce Guia" chamado Junio Barreto. E logo nos orienta sobre o que é amor. Antes que me entorte, peço mais um chopp. Pede pra sentir o calor dos corpos em suas palavras de uma angustiante despedida. Tanto que arrepia os pelos da minha alma. O contrabaixo de Otavio Gali transmuta-se com as baquetas de Emilio Martins em profusão de cálidas notas desesperadoras. Campos faz chorar sua guitarra até o fim, enquanto o clima dos teclados de TRZ me tiram o chão.

Alta madrugada e voltamos à Sampa. Tatá Aeroplano chamou a galera toda. Tomar a saideira, no Bahia, Baixo Augusta. Disse que estava cantando o "Anjo" compositor, Mário Martinez. Aí a bossa entrou rasgando na guitarra de Netto Rockfeller. Cheguei logo, pedindo uma caipirinha de jabuticaba. E na psicodelia dos teclados, sem Quizumba, Mundo Odara, ficamos todos curtindo a explosão da estrela, extasiados no brilho da Supernova com sua voz deliciosa. Era e sempre será, Tika.

*Daniel Perroni Ratto é poeta, músico, jornalista e professor. É autor de livros como "Urbanas Poesias" (Editora Fiúza, 2000), "Marte mora em São Paulo" (A Girafa, 2012) e "Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014). Participou das bandas Loco Sapiens, Criolo Branco e Luz de Caroline.