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Los Porongas iniciam nova jornada com o álbum “Infinito Agora”

UOL Música

28/10/2015 17h25

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Capa de "Infinito Agora", terceiro álbum do Los Porongas

Por Daniel Perroni Ratto*

As possibilidades dos encontros são as mesmas das equações binárias resultarem em literatura. O espaço-tempo é causador das mais profundas descobertas sonoras. A música permeia a latência frágil das finas camadas entre dimensões. A amizade e a intimidade da convivência geram as sinapses harmônicas que, como ondas de rádio, transmitem sincronicidades. Sim, o rock brasileiro está vivo e através desses descaminhos, em seu universo independente, encontrou razão de existir neste "Infinito Agora", terceiro disco da banda acriana, Los Porongas (clique para ouvir).

A contemporaneidade está cada vez mais social. A colaboração é cada vez mais frequente. A troca de experiências acontece, teimando, apesar de uma individualidade cada vez mais presente na sociedade. E nesses ritos, com a ajuda de gente de todos os cantos do Brasil, a mágica se fez. Catarse.

Em São Paulo, onde vivem os Porongas, esses seres que iluminam os caminhos de desbravadores, surgem amizades, encontros, parcerias todo dia. Em festas, shows, saraus, lançamentos de livros, peças de teatro, botecos, casas de uns e de outros, etc. Também vivo nesse circuito. Laços quânticos são formados. Muros são derrubados e entrelaçados até que o sistema nervoso central conecte os compassos.

"Todas as Cores" de um pôr do sol, do Cambuci Roots até a praça no alto de Pinheiros, iluminam os caminhos por onde nos metemos. Precede as noites de euforia. As saudações em um carro, pela Avenida do Estado, com o destino por vir. As cores das vibrações da bateria de Jorge Anzol correm juntas com as linhas de contrabaixo, desenhadas por Márcio Murad, transmutam-se aos teclados de João Leão e os riffs da guitarra de Carlos Eduardo Gadelha, deixando-me nostálgico pelos anos 80.

O tempo passa devagar, na frenética cidade, a esquizofrenia é paradoxal, acelerada. "Ao Sul das Coisas", daquelas coisas antagônicas à urbanidade, coisas que remetem ao bucólico, ao silêncio de outrora, das sonoridades amazônicas. Todavia, vivemos o agora, nossos corações anseiam por aventuras, pelas descobertas. O som é até progressivo. A voz límpida de Diogo Soares passeia, confiante, pelas modulações e enternece nossos sentidos.

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Los Porongas: Carlos Eduardo Gadelha (guitarra), Jorge Anzol (bateria), Diogo Soares (vocal) e Márcio Murad (baixo)

No "Caminho" desse sucesso, os encontros são retóricos e bem-vindos. Outro dia, estávamos em um boteco, tomando uma cerveja a esperar um dos inúmeros shows que frequentamos na noite paulistana e Diogo, feliz, segredava que Henrique Portugal faria uma participação no trabalho novo. Os carros passavam pelo Baixo Augusta, as pessoas iam de bar em bar, cada qual com seu estilo, a vida se apresentava, e seguíamos em frente, sem pressa e sem nunca se calar na babilônia futurista.

A psicodelia das ambiências sempre acompanhou os destinos imagéticos da urbe. Cérebros Eletrônicos transitavam pelas esferas lisérgicas das mãos de Fernando TRZ. "Menino Velho" em transe, "Slow Down", muito natural, deixou rolar a vibração e entrou para a história, como na arte da capa do disco físico construída pelos astros de Denis Diosanto. Deixe fluir, meu bem.

Estive na audição. Entre uma cerveja e outra, João Vasconcelos, o produtor, estava feliz com o resultado de seu trabalho. Muita gente feliz em estar ali. Era "Tarde Pra Voltar Atrás", já estávamos em outro tempo, lá em 1985, quando surgiu Biquini Cavadão, de Bruno Gouveia. O céu podia até desabar sobre nós, mas naquele momento, ninguém queria dizer adeus. Só continuar na estrada.

Fiquei impressionado com a captação de som e masterização de Klaus Sena. Comentei com Eduardo Escariz. Ele não vê a hora de criar as imagens, as cenas transcendentais deste Infinito Agora. No estúdio, todos nós ouvíamos as músicas, em êxtase. Entre pianos, guitarras, teclados, cubos, baterias e aquele ambiente de garagem, víamos o rock ter seu "Recomeço". É hora de procurar o amor e a si mesmo. Mas estavam lá, muitos amores. O meu, do Diogo e até do Daniel Groove.

Andei paulatinamente, com minha bengala, até a geladeira e peguei outra cerveja. Noite alta. Fui até o quintal do Cambuci Roots e me vi introspectivo para viajar "Além do Impossível". A pensar nas escolhas caóticas da alma. Como é que poderia ser? As lembranças do que deixamos por terminar, tudo que passou, guardei em algum lugar do coração. Não temos nada a perder e percebo que a vida é com você. Eu sei. As ruas sangram por aqui. As faces não são as mesmas. Eu sei. Não sei quase nada. Flores de concreto, luzes da metalinguagem em semáforos piscantes. Ando cansado. As vontades do mundo estão à solta. A esperança "Morrenasce" em cada clique virtual. A televisão e suas bonecas infláveis. Quem vai ficar e resistir? A pressa do tempo. Sacrifícios diários de cada indivíduo. Cada software programado nos cérebros voadores. Morre e renasce todo dia. A esperança. O amor. A vida.

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"Dentro da Noite" não estávamos sozinhos. Começávamos sempre os dois. O carro. A celebração. Bora São Paulo! Um cemitério. No muro estava escrito: Quem não vive, morre. A frase foi nos deixando, todavia, já estava impregnada nas nossas mentes. Era o prelúdio dos oceanos vividos nos shows da cena independente paulistana. Era o início da sinergia vindoura. Era a vontade de dar certo. Era a certeza de um fato. Quem não vive, morre.

Volto à audição. A última música começou. "Sobre Mim". Com participação dos músicos Dado Villa-Lobos e João Vasconcelos. Diogo Soares, melancólico, divaga sobre seus percalços. As angústias normais do próprio eu. Sobre seu relacionamento. Mas nem percebeu que aquela trilha já pertencia a todos nós. Aos nossos erros, raivas, amores, vícios e sacrifícios. Ele nem percebeu que cantou as mais belas vontades do mundo. Ele nos cantou.

 

* Daniel Perroni Ratto é poeta, músico, jornalista e professor. É autor de livros como "Urbanas Poesias" (Editora Fiúza, 2000), "Marte mora em São Paulo" (A Girafa, 2012) e "Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014). Participou das bandas Loco Sapiens, Criolo Branco e Luz de Caroline.

 

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